Entenda a crise: Rússia e Ucrânia

Marcelo Hornos Steffens

A tensão internacional mais comentada atualmente tem sido a da Rússia com a Ucrânia. A Rússia, considerando apenas a sua história recente, foi uma das quinze repúblicas que fizeram parte da União da Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS: 1922-1991). É o país de maior área do planeta e o nono mais populoso, com cerca de 142 milhões de habitantes. É a décima segunda maior economia mundial (PIB).

A Ucrânia também foi uma das quinze repúblicas que formaram a União Soviética. Sua população é estimada de 48 milhões de habitantes. Não está entre as maiores economias mundiais, muito embora sua produção agrícola seja bastante importante desde os tempos soviéticos. Em 2011, era considerada o “celeiro da Europa” e ocupava a terceira posição como maior exportadora de grãos do mundo. Territorialmente, é o maior país europeu, uma vez que boa parte do território russo se localiza no continente asiático.

Militarmente, a Ucrânia herdou, com o colapso da União Soviética, uma numerosa força militar: 780.000 soldados e o terceiro maior arsenal de armas nucleares no mundo. No entanto, em respeito aos tratados assinados entre Estados Unidos e União Soviética, os quais vêm sendo de tempos em tempos ratificados, a Ucrânia, em 1996, não tinha mais armas nucleares.

No entanto, desde 2014, com a anexação da Criméia pela Rússia e com a eclosão de uma guerra civil ao leste, encabeçada por grupos separatistas pró-Rússia, nas regiões de Donetsk e de Luhansk, e agora com sua independência reconhecida pela Rússia, o exército ucraniano passou a ter o apoio dos Estados Unidos (também membro da OTAN) e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN, fundada em 1949. Em 2022, conta com 30 membros, que são responsáveis por 70% dos gastos militares mundiais. Os integrantes da Organização devem apoiar militarmente os demais membros em caso de conflito). O exército ucraniano passou a receber do ocidente blindados, armas anti-tanque, munição, treinamento e investimentos para a revitalização da indústria bélica do país, que contava, em 2019, com 405.000 militares nas forças de segurança (metade deles no Exército).

Militarmente a Rússia tinha, em 2006, mais de uma milhão de militares na ativa. A força de tanques da Rússia é a maior do mundo. A marinha de superfície e a força aérea são as maiores do planeta. Tem o maior arsenal nuclear e a segunda frota de submarinos nucleares do mundo. Grande parte dos armamentos russos são produzidos na própria Rússia e, desde 2001, o país exporta 30% das armas vendidas no mundo.

Hoje, dia 24 de fevereiro de 2022*, enquanto escrevia este texto, ocorreu a invasão russa da Ucrânia. Ataques por terra, mar e ar. Ao que parece, com o desenrolar dos acontecimentos e com as inúmeras declarações de lado a lado, é que Vladimir Putin agiu com a intenção de demarcar, de modo enfático, a zona de influência russa e assinalar até onde vai a tolerância do país em relação aos avanços da OTAN na direção do leste europeu e ao processo de incorporação de antigas áreas de influência soviética à Organização (aderiram à OTAN, na região do Báltico, em 2004, as antigas repúblicas soviéticas da Estônia,  da Lituânia, da Letônia). 

O avanço da OTAN sobre o leste europeu, na direção da Rússia, vai estabelecendo sérios limites para a ação do governo Putin na região, uma vez que qualquer confronto com países membros da Organização detona um sistema que, automaticamente, envolve todos os demais membros no conflito. Na visão russa, com a expansão para o leste, o ocidente está descumprindo antigos acordos e, por isso, o ataque a Ucrânia é plenamente justificável.

Resta saber quais os objetivos estratégicos russos e quando o ataque será dado por finalizado e, também, qual será não somente o novo padrão na relação entre Ucrânia e Rússia, mas o da região com o governo Putin e de Putin com a região: se bastará para o governo Putin chegar a Kiev e estabelecer um governo pró-russo ou se existem mais objetivos a serem alcançados.  

Do ponto de vista da OTAN (e aqui não estou considerando as tensões e os interesses particulares e, às vezes, conflitantes dentro da Organização, e nem a situação de impopularidade do governo Biden nos Estados Unidos), ao que parece, o interesse mais fundamental é o de não detonar um confronto mais amplo, o que fica facilitado de alguma forma pelo fato da Ucrânia não pertencer à organização. Não haverá soldados da OTAN em solo ucraniano. Há sanções econômicas contra a Rússia (que, ironicamente, foram baixadas com o cuidado de não prejudicar a economia dos membros da OTAN). Há apoio moral e talvez algum apoio financeiro (não se sabe de qual tamanho), mas não haverá envolvimento de tropas da OTAN. O que a organização fez foi enviar tropas e efetivos para os países do leste, membros da Organização, garantindo, ao mesmo tempo, que não haverá invasão russa e delimitando o espaço de ação de Putin. De acordo com o secretário-geral da OTAN, estas ações e seus pronunciamentos são de caráter defensivo, o que deve, de fato, permanecer, uma vez que o envolvimento de qualquer efetivo da Organização pode detonar um conflito de enormes proporções.

*Data da escrita do artigo 

Referências:

HARDING, Luke. O rato ruge. Carta Capital. Edição 1192, 26 jan. 2022, p.46-49.

ROTH, Andrew. Jogos de guerra. Carta Capital. Edição 1193, 02 fev. 2022, p.50-51.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Ucr%C3%A2nia

https://pt.wikipedia.org/wiki/R%C3%BAssia

https://pt.wikipedia.org/wiki/Organiza%C3%A7%C3%A3o_do_Tratado_do_Atl%C3%A2ntico_Norte#Membros