Desindustrialização: um resultado das ideias econômicas que cativam projetos políticos

Jean Talvani Costa

É lugar comum na literatura, em discursos políticos, nos debates midiáticos, dentre outros espaços, a ideia de que o Brasil teve um dos processos mais destacados de crescimento econômico no século XX. Esse crescimento se deu ancorado principalmente no desenvolvimento industrial. Entre a década de 1930 e a década de 1980, mesmo nos anos em que a economia apresentava desaceleração, o nível de recuperação era consideravelmente rápido.

Um dos vetores mais importantes desse processo, sem dúvida, foi a proeminência do pensamento desenvolvimentista. A despeito da divergência de algumas correntes que compunham esse vasto arcabouço teórico, pode-se definir o desenvolvimentismo como um projeto de transformação econômica que considera a industrialização a força motora para a superação da pobreza e do atraso econômico, que reforça a importância estratégica do planejamento de Estado para ensejar a direção dessa expansão, captando e orientando recursos financeiros, inclusive atuando supletivamente em setores onde a atuação da iniciativa privada é insuficiente.

Tendo como mote o crescimento econômico alavancado pelo setor industrial, o Brasil deixou de ser uma economia profundamente dependente do comércio e dos preços internacionais de seus produtos primários, como o café e a borracha, para alcançar em 1980 a oitava posição no ranking mundial de produção industrial. É importante ponderar que o crescimento industrial, em muitas vezes, não representou desenvolvimento social, de modo que, em várias fases de expansão econômica, sobretudo naquela verificada no início dos anos 1970, houve concentração de renda.

A partir dos anos 1980, outro dois motes, em especial, passam a ocupar a centralidade do debate econômico brasileiro: a inflação e o endividamento público. A inflação tinha efeito piorado – além dos assustadores três algarismo ao ano – graças à desaceleração econômica acabava corroendo o poder de compra dos brasileiros. O endividamento preocupava, sobretudo, graças ao jogo duro dos organismos internacionais após os choques do petróleo em 1973 e 1979, que levaram a uma política fiscal mais severa de organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Os anos 1980, em síntese, estariam marcados pelo esgotamento do projeto econômico desenvolvimentista.

O que viria no lugar? Outras experiências em países centrais, como Reino Unido e EUA, ou em países vizinhos ao nosso, como Chile e Argentina, apontaram para a solução de retirada do Estado como agente promotor do desenvolvimento econômico. A necessidade que se impunha, de combater os males da inflação e do endividamento, recebeu um diagnóstico neoliberal que passou a orientar um tratamento à base de contração monetária, ajuste fiscal, privatização de setores públicos, entre outras medidas preconizadas por organismos internacionais preocupados em “disciplinar” os países devedores. As medidas agrupadas em torno do Consenso de Washington em 1989 viriam a ser efetivamente implementadas a partir do Plano Real, em 1994.

Para os objetivos desta reflexão, é importante apontar que o Plano Real foi um ponto fundamental de inflexão da política macroeconômica. A estratégia de contenção monetária visando a derrubada da inflação foi feita calcada na apreciação cambial e na elevada taxa de juros. Ainda que não seja nos mesmos níveis de implementação do Plano nos anos 1990, a elevada taxa de juros acabou por reduzir a capacidade do Estado de investir desde então, bem como em reduzir a competitividade interna.

A direção dada ao Estado nos últimos 1940 anos parece ser uma boa chave para compreendermos o processo. A condição de investimento público foi atingida no processo de crise da dívida pública, quando o Estado precisou ampliar em muito suas despesas em relação às receitas, enquanto na década seguinte, abriu mão da participação em setores lucrativos durante os processos de privatizações. A outra direção do processo se deu com elevação da poupança externa para compensar os déficits internos, o que aumentou a oferta de dólares e estimulou o consumo, porém não favoreceu o investimento público e privado em longo prazo. Entre a primeira década dos anos 2000 e a primeira metade da década de 2010, houve retorno em vários aspectos ao programa desenvolvimentista. A iniciativa de expandir o déficit público estimulando políticas sociais e o consumo mostrou sinais de desgaste, que acabaram por um retorno a política contracionista a partir de 2015.

Nesse contexto, o problema da desindustrialização, como um importante aspecto do atual momento de nossa história econômica, tem impactos sociais, na medida em que, a reprimarização da economia possui relação direta com a renda per capita. O aumento da renda per capita é variável conectada ao desenvolvimento econômico e ao aumento da produtividade, esse aumento ocorre justamente quando a mão de obra se transfere do setor primário com baixo valor adicionado para o setor secundário com alto valor adicionado per capita. Tendo em vista que o quadro atual é de grande dependência do setor primário-exportador, dificilmente se imagina esse processo de ocupação no setor industrial.

Em outro âmbito do processo de desindustrialização pode-se destacar o deslocamento da mão de obra do setor secundário para o setor terciário, de comércio e serviços, o que abre espaço para a expansão da informalidade e para uma grande rotatividade de trabalhadores por função ocupada, afetando a condição socioeconômica dos dependentes desse setor.

De outro modo, entende-se que é necessário empreender um novo esforço programático de desenvolvimento que não leve em conta apenas o caráter quantitativo quanto ao crescimento, mas qualitativo das variáveis que compõem a dinâmica econômica e social. Assim, almeja-se um país menos dependente, mais competitivo e imbuído em romper com seu vício de planos governamentais de curto prazo para alçar programas de Estado e projetos de país, sendo capaz de impulsionar o desenvolvimento combatendo a concentração de renda, que tragicamente nos caracteriza.

Referências

BIELSCHOWSKY, Ricardo. Pensamento Econômico Brasileiro. O ciclo ideológico do desenvolvimentismo. 3 ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.

BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. 40 anos de desindustrialização. Rio de Janeiro, p. 3 – 5, 01 abr. 2019.

DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A Nova Razão de Mundo. Ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.

FILGUEIRAS, Luiz. História do Plano Real. São Paulo: Boitempo, 2000.