Por que o conflito entre Rússia e Ucrânia afeta a economia brasileira?

Fernando Batista Pereira
Débora Juliene Pereira Lima

Desde o fim da União Soviética em 1991, a Rússia demonstra interesses geopolíticos e econômicos pelos territórios ucranianos (em especial pela região da Criméia). A partir de então, a Ucrânia tem se aproximado do Ocidente e da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), o que provocou tensões entre os dois países e desconfiança por parte da Rússia, que se preocupa com a perda de influência na região. Quando Vladimir Putin assumiu a presidência em 2000, os interesses desse país pelos territórios da região formada pelas ex-repúblicas soviéticas, em especial pelos territórios ucranianos, aumentaram. Além de interesses geopolíticos, a Rússia almeja regiões ucranianas por conta da rota de comercialização externa de recursos energéticos russos, já que a Criméia está localizada em uma posição estratégica no Mar Negro. Ademais, deve-se ressaltar que, historicamente, a Rússia possui um poderio bélico consideravelmente maior, formado por um exército mais forte e por armas nucleares.

Em 2014 a tensão entre os dois países ganhou um novo capítulo: a região da Criméia foi invadida pelos russos. A anexação da península à Rússia foi criticada pelos EUA e pela União Europeia, e desde então, esse tema tem sido responsável por temores de uma nova guerra, o que, de fato, aconteceu em 24 de fevereiro deste ano. Com a alegação de querer impedir a invasão às suas fronteiras, o que ocorreria caso a Ucrânia aderisse à Otan, o exército russo atacou o território ucraniano dando início à guerra. Em pouco mais de um mês de conflito, milhares de vidas ucranianas foram perdidas e várias cidades foram devastadas. Para a Rússia, os efeitos da guerra podem ser sentidos pelas sanções econômicas que o país tem sofrido de várias nações do mundo, que vão desde boicotes a relações comerciais até a retirada de empresas multinacionais do território russo.

É imprescindível salientar, ademais, que as consequências da guerra entre Rússia e Ucrânia não se restringem apenas aos dois países. O conflito gera prejuízos para o mundo todo, uma vez que a Rússia – e a própria Ucrânia, em menor escala – é uma das maiores produtoras e exportadoras mundiais de petróleo e de gás natural, para além de outros fatores.

Impactos diretos sobre a economia brasileira

Desde, pelo menos, a primeira metade do século passado (quando nem se usava a denominação “globalização”), as cadeias produtivas tornaram-se cada vez mais transnacionais. Insumos, produtos intermediários ou finais, dependem em grande medida do comércio internacional, seja para importação de itens necessários para uma dada etapa da cadeia, seja para exportação para a etapa seguinte, até chegar ao mercado final.

Esse processo permitiu ganhos de escala ou escopo, com consequente barateamento relativo da produção industrial. Por exemplo, produtos da indústria chinesa chegam ao país – depois de atravessar o mundo – a um preço muito barato, utilizando, por exemplo de produção extrativa mineral brasileira – ou seja, que atravessou o mundo para poder ser usada na linha de produção chinesa.

Portanto, não é surpresa os resultados negativos para a economia brasileira de uma guerra – teoricamente – em terras distantes, como entre a Rússia e Ucrânia. Além do confronto, as sanções econômicas dos países Ocidentais sobre a Rússia vêm gerando redução do comércio e alta de preços mundo afora – inclusive no Brasil.

Isso está ocorrendo com vários insumos[1], mas vamos focar em dois: petróleo e fertilizantes, que matérias-primas básicas das cadeias da indústria e da agropecuária.

Começando pelo primeiro, a Rússia é um dos maiores produtores (3°) e exportadores (2°) mundiais de petróleo e isso geral natural impacto no preço desta commodity internacional. Assim, no dia da invasão russa (24/02/2022), o barril do petróleo estava cotado em US$ 96 e chegou a atingir a cotação de quase US$ 140 em 07/03/2022, embora com as recentes negociações de paz tenha voltado para US$ 110,91 (30/03/2022)[2].

Entretanto, é importante ressaltar, o Brasil é autossuficiente na produção de petróleo. Ou seja, este impacto, na verdade, se dá via política de preços adotada pela Petrobrás, de seguir a cotação internacional do barril de petróleo (em dólar) para fixação dos preços internos. O resultado desse conjunto de fatores foi o choque de preços de combustíveis (18,8% da gasolina e 24,9% do diesel) e gás de cozinha (16%), ocorrido no último dia 10/03/2022 por parte da Petrobrás[3], em uma base de preços que já se encontrava em patamar elevada desde dezembro de 2020, o que implica um aumento de custos de toda a linha de produção e distribuição de bens e serviços.

O segundo caso é dos fertilizantes nitrogenados (N), fostatados (P) e os de potássio (K), utilizados em grande parte da produção agrícola brasileira (e mundial). A Rússia, um dos maiores produtores, é o maior exportador de NPK e o Brasil um dos maiores importadores (em 2021, cerca de um quarto do consumo brasileiro de NPK foi importado da Rússia)[4]. O resultado tem sido um conjunto de alta de preços dos fertilizantes NPK da ordem de 120 a 150% quando considerado os últimos 12 meses encerrados em fevereiro de 2022[5], com consequente impactos sobre a produção de grãos (milho e soja, por exemplo, tiveram aumento de 100% nos últimos meses), mas também sobre a produção de carne (como exemplo, 70% do custo da produção bovina refere-se a milho e soja)[6].

Por fim, devemos considerar que a inflação brasileira não está relativamente alta apenas em decorrência do conflito entre Rússia e Ucrânia. Devemos lembrar que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo IBGE, foi de 10,06% em 2021 e 4,5% em 2020. Inflação mais elevada ainda, se considerado o Índice Geral de Preços – Mercado – IGP-M, calculado pela FGV, para 2021 (17,7%) e 2020 (23,14%).

Isso significa que, mesmo que as negociações de paz atuais progridam, a alta inflacionária do país deve permanecer em 2022, o que é trágico se considerada a conjuntura já muito negativa da economia na recuperação do emprego e da renda da população.

 

[1] 4 produtos exportados por Rússia e Ucrânia que devem ficar mais caros no mundo (BBC News) https://economia.uol.com.br/noticias/bbc/2022/03/15/4-produtos-exportados-por-russia-e-ucrania-que-devem-ficar-mais-caros-no-mundo.htm (acesso em 31/03/2022)

[2] Série histórica disponível em: https://br.investing.com/commodities/brent-oil-historical-data (acesso em 30/03/2022).

[3] Aumento no preço dos combustíveis: 5 perguntas para entender o cenário no Brasil (BBC Brasil). https://www.bbc.com/portuguese/brasil-60789392 (acesso em 30/03/2022).

[4] Com a guerra na Ucrânia, vai faltar fertilizante no Brasil?  (EXAME)  https://exame.com/brasil/com-a-guerra-na-ucrania-vai-faltar-fertilizante-no-brasil/ (acesso em 30/03/2022).

[5] Carne, cerveja e pãozinho ficarão mais caros com a guerra Rússia x Ucrânia (UOL): https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2022/03/25/como-a-guerra-deve-afetar-o-bolso-dos-brasileiros.htm (acesso em 30/03/2022).

[6] Sem fertilizantes, vem aí uma crise global de alimentos (Folha de S. Paulo). https://www1.folha.uol.com.br/colunas/nelsondesa/2022/03/sem-fertilizantes-vem-ai-uma-crise-global-de-alimentos.shtml (acesso em 30/03/2022).