Literatura Brasileira – A Festa

A FESTA

Livro: A Festa - Ivan Ângelo | Estante Virtual

O AUTOR

Ivan Angelo é jornalista, cronista e romancista, nascido em 1936 e natural de Barbacena (Minas Gerais). Recebeu o Prêmio Jabuti por A festa, considerado como o melhor romance de 1976 e que figura entre as 125 obras mais significativas da literatura brasileira de todos os tempos, segundo o Ministério da Cultura. Além disso, escreveu vários livros de crônicas, contos e novelas e, entre as obras mais importantes de sua trajetória, estão A casa de vidro (1979) e A face horrível (1986).

A OBRA

Angelo iniciou o esboço de A festa em 1963, porém interrompeu sua escrita devido à Ditadura Militar brasileira e retomou-a no ano de 1974, publicando o livro apenas em 1976, em pleno Regime Ditatorial, o qual ocorreu entre 1964 a 1985. A obra tem 197 páginas e se divide em três partes – a primeira sem título, formada por seis contos, a segunda intitulada Antes da festa e a terceira, Depois da festa -, sendo um romance formado por nove contos no total. Além disso, é ambientada majoritariamente em Belo Horizonte, Minas Gerais, na década de 1970; e apresenta inúmeras personagens inseridas em uma sociedade econômica, ideológica e culturalmente desigual. Assim, a partir de diferentes focos narrativos, Ivan Angelo capta diversos olhares e vivências e, ao mesmo tempo, faz críticas sociais e políticas, abordando temas como a falta de liberdade no período ditatorial, a truculência dos militares e do governo frente aos sujeitos mais desfavorecidos economicamente, além de retratar as múltiplas dimensões humanas.

A obra rompe com os paradigmas do gênero textual, pois apresenta pequenas narrativas que podem ser lidas separadamente, mas que, em conjunto, formam um romance. Ainda há, em cada conto, uma ruptura quanto à forma tradicional, por exemplo, o primeiro conto (Documentário) é constituído por diferentes textos, como trechos de reportagem; excertos de livros de séculos anteriores – relativos ao período escravocrata brasileiro e aos conflitos latifundiários no Nordeste -; registro de nascimento de uma das personagens e depoimentos policiais. Esse conto é composto por três partes: a primeira seguida após o próprio título do conto, a segunda intitulada “Flash-back” e a última, “Fim do flash-back”; sendo realizada uma colagem que, embora, a princípio, pareça aleatória e sem nexo, no decorrer da obra, corrobora para a construção de sentidos e intencionalidades de Angelo.

O autor, ao utilizar diversos tipos de discursos (direto e indireto, a depender de seu propósito literário) e de focos narrativos, logra êxito em não escrever A festa sob um único viés, alcançando uma certa imparcialidade na história narrada; e em revelar as múltiplas facetas do ser humano, por meio de pensamentos, ideologias e ações das personagens. Assim, além de mostrar um recorte dos anos 70, Ivan exibe a gênese e a jornada das personagens – perpassando os anos de 1930 até chegar à década de 1970 – e capta aspectos, acerca de outrem, impossíveis de serem percebidos quando se participa de uma festa (como a que é tão esperada e citada na trama), ao retratar, de modo profundo, os seres presentes na obra. Diante disso, o livro se torna perspicaz, pelas personalidades apresentadas e pela crítica social acerca destas, as quais estão envolvidas em traições, falsas aparências, jogos de poder, mesquinhez, violência e impunidade; em atos de machismo, racismo e na luta de classes.

O romance é construído fragmentadamente, o que transcende à questão estrutural e imprime, no leitor, a sensação de se viver nos anos de Ditadura Militar, período cujas vozes e identidades eram (violentamente) silenciadas pelos “rapazes, de cabelos muito curtos, civis” (ANGELO, 1995, p. 181) e os acontecimentos eram distorcidos e ocultados. Apenas ao final da obra, em Antes da festa, os fragmentos de eventos presentes nos contos anteriores são ligados aos fatos narrados na referida parte, a qual conta sobre vários momentos do dia 30 de março de 1970 – quando  ocorre uma festa particular e um conflito em plena praça pública de Belo Horizonte – e, em Depois da festa, expõem-se os destinos de todas as personagens. Com isso, permite-se ao leitor refletir sobre como a vida de cada figura – ainda que nascidos em anos distintos e estando a quilômetros de distância (física, intelectual e social) – está interligada e como os acontecimentos – e o regime de governo – podem ocasionar consequências diferentes a cada um, algumas vezes apenas incômodas e vergonhosas, outras, mudanças trágicas e infelizes.

A festa é um romance contemporâneo brasileiro que apresenta grande inovação em sua forma, com a representação de questões atuais e de uma sociedade pautada na desigualdade e impregnada de diversos valores, predominantemente vis. Além disso, Angelo mostra como a Ditadura perpassou e impactou a existência de quem a presenciou: “tanta gente se policiando, com medo de dizer coisas”, “quem é que vai escrever sobre nossos problemas?” (ANGELO, 1995, p. 101). Desse modo, apesar de ser uma leitura fluida e envolvente, não é uma obra para ser lida de uma só vez, mas, a fim de haver um melhor entendimento da história, deve-se fazer pausas para refletir sobre as entrelinhas das narrativas; além de voltar às páginas anteriores e relê-las, para encaixar os fatos apresentados em diferentes momentos da história. Enfim, a leitura desse livro trará uma experiência espetacular e ímpar ao leitor, devido a sua estrutura excêntrica e ao modo polifônico de Angelo narrar os acontecimentos, apresentando personagens intensas e críticas sociais e políticas.

Referências

ANGELO, Ivan. A festa. 8. ed. São Paulo: Geração Editorial, 1995.

IVAN Angelo. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2023. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa20504/ivan-angelo. Acesso em: 20 de maio de 2023. Verbete da Enciclopédia.

TIRO DE LETRAS. Ivan Angelo. [S. l.], 2012. Disponível em: http://www.tirodeletra.com.br/biografia/IvanAngelo.htm. Acesso em: 20 maio 2023.