Confira a entrevista com o doutor Eloésio Paulo dos Reis na íntegra

Entrevista – Eloésio Paulo dos Reis

O novo projeto do PET “Entrevista com Pesquisador” tem como objetivo divulgar pesquisas relacionadas à área de Letras e afins. A entrevista dessa semana contou com a presença do professor Dr. Eloésio Paulo dos Reis, e o tema escolhido foi sobre Literatura: ensino, resenha e pesquisa.

Confira nossa entrevista completa abaixo:

 

PET: Quais são as maiores dificuldades que os professores – principalmente os de escola pública – têm ao ensinar literatura? Como esse período de isolamento social impactou no ensino de qualidade?

Eloésio: Estou um pouco longe da escola fundamental e média, mas creio que não mudou tanto desde quando eu lecionava em colégios, há cerca de 15 anos. O que mais atrapalha é a formação deficiente dos próprios professores, que em geral leem muito pouco na faculdade e, uma vez formados, têm ainda menos tempo e oportunidade. Como pano de fundo, temos a tragédia social e cultural do Brasil, agravada pela barbárie que nos assola desde o golpe de 2016, a que se seguiu uma eleição garantida por aquela facada tão mal contada e por disparos criminosos de mensagens difamatórias contra os candidatos do campo democrático . Nunca houve dois golpes contra as instituições democráticas em tão pouco tempo no Brasil. Há um  projeto geral de desmonte do Estado, e a educação de qualidade não interessa a nossa elite predatória que tem suas raízes fincadas nas primeiras décadas da colonização do Brasil. A novidade é que a elite de hoje não se importa de que seus próprios filhos sejam imbecis. Para piorar, desde o fim do regime militar parece ter havido uma conjunção propositada de desmoralização da escola e da cultura com estupidificação vertiginosa dos meios de comunicação, especialmente rádio e TV, mas também os impressos. Todas as instâncias responsáveis pela promoção da leitura e da inteligência foram desprestigiadas em nome de uma suposta cultura oral, que de fato se resume à mais escandalosa promoção do analfabetismo e da ignorância. Tudo isso, é claro, piorou bastante com o advento das chamadas redes sociais, que na verdade são mesmo é comerciais e só aparentemente oferecem serviços gratuitos. As pessoas querem acreditar que alguém que não tem qualquer base cultural é capaz de escolher inteligentemente os produtos simbólicos que vai consumir.

 

PET: Fale um pouco sobre o seu novo projeto de escrita de resenhas.

Eloésio: Estou produzindo um livro intitulado Pequeno guia do romance brasileiro (https://eloesiopaulo.blogspot.com/). Faz uns seis ou sete anos que comecei a ler os principais romances dos séculos XIX e XX, a maioria dos quais forma a base indispensável para alguém conhecer o que de melhor se produziu no Brasil em termos de narrativa longa: Machado de Assis, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Rachel de Queiroz, Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles. A ideia inicial era suprir minhas próprias lacunas de leitura, pois lecionei durante 15 anos sem ter lido muitos dos livros que devia comentar em sala de aula. Creio não ser muito diferente a situação dos professores em atividade hoje em dia, mesmo no ensino superior e na área de Letras. Eu pensava que daria conta da tarefa com 100 romances, mas tive que subir para 150 porque haviam ficado de fora muitos que são importantes. Aí, quando cheguei perto de 150, percebi que teria que subir para 200. Mais do que esse número resultaria num livro difícil de lidar, até já acho que ele terá que ser publicado em dois volumes. Já fiz mais de 150 resenhas, que publicava na revista eletrônica Pessoa e agora estou migrando para um blog com o mesmo título do livro. Espero prestar um serviço a qualquer pessoa que se pergunte se vale a pena ler tal romance, do que ele trata, quais são seus personagens principais etc. Eu gostaria muito de ter podido contar com um livro assim quando comecei a lecionar, e, como ele não existe ainda, resolvi escrevê-lo. Considero a resenha tal como a pratico, por sinal, um gênero literário bem próximo da crônica, sem tecnicidades inúteis para um leitor comum. O livro será para leitores, não para especialistas.

 

PET: Pensando na sua tese de doutorado que foi “Literatura e loucura: o escritor no hospício em três romances dos anos 70”, fale um pouco sobre suas motivações ao escrever sobre esse tema. Como seria essa relação entre loucura e literatura?

Eloésio: Tive a ideia da tese quando, meio por acaso, li na mesma época três romances publicados na época do regime militar de 1964 e cujos protagonistas, coincidentemente, passam temporadas numa instituição psiquiátrica. Achei que não devia ser apenas uma coincidência, apresentei um projeto de investigação dessas três obras e fui aprovado no programa de doutramento da UNICAMP, onde já havia feito meu mestrado. Foi uma época intensa de leituras e grande crescimento intelectual para mim, mas no final das contas um desses romances, por sinal o que considero o melhor, escapou um pouco à minha hipótese, de que os autores estariam todos interessados em compor alegorias do regime ditadorial. Falo de Armadilha para Lamartine, de Carlos Sussekind. Os outros dois são Confissões de Ralfo, de Sergio Sant’Anna, e Quatro-Olhos, de Renato Pompeu. A loucura e a literatura têm em comum (concordo com Soshana Felman, que escreveu isso) a resistência à interpretação. Como ambas dizem respeito ao mistério da condição humana, que mergulha nas profundezas da linguagem e do inconsciente, não podem ser reduzidas ao discurso da razão. Para citar outro teórico, o psicanalista Fábio Herrmann, o texto literário criativo e a desrazão que não se enquadra na sociedade burguesa são “fios soltos” de uma trama que tende sempre a se esgarçar, pois que se funda na mentira que é a crença de que tudo no mundo é racionalizável.