Confira a entrevista com a doutora Mirian Cristina dos Santos na íntegra
Entrevista – Dra. Mirian Cristina dos Santos
O novo projeto do PET “Entrevista com Pesquisador” tem como objetivo divulgar pesquisas relacionadas à área de Letras e afins. A entrevista dessa semana contou com a presença da escritora e doutora Mirian Cristina dos Santos, e o tema escolhido foi sobre literatura negro-brasileira.
Confira nossa entrevista completa abaixo:
PET Letras: Conte-nos um pouco sobre sua trajetória acadêmica. Como escolheu o curso de Letras? Como foi o processo da escolha e interesse pela sua área de pesquisa?
Mirian:Refletir sobre minha trajetória acadêmica, me leva de volta para a educação básica. Durante o Ensino Fundamental II e Ensino Médio, principalmente, ler literatura foi meu lugar de acolhida. Os livros, sempre emprestados pela biblioteca da escola ou por professores, muito contribuíram para acalmar minhas ansiedades. A princípio, meu desejo era cursar jornalismo, mas esse não foi um curso possível na época, Letras veio como uma nova alternativa. E, de fato, foi um feliz encontro, uma vez que o gosto pela escrita também faz parte das riquezas da minha vida.
Atualmente minha área de pesquisa é atravessada pela escrita de mulheres negras. Esse encontro aconteceu tardiamente, durante meu doutorado. No início do curso, li o livro “Becos da memória”, da escritora brasileira Conceição Evaristo, leitura que bastante mobilizou meus sentimentos. A partir dessa convocação urgente, mudei projeto, objeto de pesquisa, teoria e comecei pesquisar escritas dde mulheres negras.
PET Letras: Qual projeto de pesquisa você teve mais entusiasmo? Por quê?
Mirian: É importante e interessante essa pergunta, visto que temos tendência a nos lembrarmos da experiência mais próxima. Eu adoro a área de pesquisa, e sempre fui movida por entusiasmos. Antes da pesquisa atual, eu trabalhava com escritoras do século XIX. Na época, eu tive oportunidade de manusear pessoalmente jornais oitocentistas, de ler diferentes textos reivindicando os direitos das mulheres, além de resgatar duas escritoras esquecidas. Desse encontro, ficou a potência da interface da Literatura e da História. Já em relação à minha pesquisa atual, a leitura da literatura escrita por mulheres negras em diálogo com a História amplia o conhecimento de um Brasil não contado, o que contribui, e muito, para a formação de leitores. Contudo, o meu entusiasmo nessa pesquisa é regado pela identificação com a autoria e com as personagens, algo que me foi negado durante muitos anos da minha formação. Encontrar na literatura sujeitos negros fora da ótica pejorativa, ressignificou o meu olhar e também o meu lugar no mundo, aspecto que acredito que seja de ordem coletiva.
PET Letras: Mirian, você poderia nos falar sobre seu livro “Intelectuais negras: prosa negro-brasileira contemporânea” e o que a inspirou escrevê-lo?
Mirian: Primeiramente, é importante falaar que o “Intelectuais negras” é resultado da minha tese de doutorado em Letras. Meu trabalho foi inspirado, como eu mencionei anteriormente, no livro “Becos da memória”, da escritora Conceição Evaristo, ao finalizar essa leitura, na ocasião de cumprimento de créditos de disciplinas do doutorado, eu senti a urgência de trabalhar com a potência da literatura de autoria feminina negra. No livro, eu proponho o reconhecimento de escritoras negras enquanto intelectuais, trabalhando especificamente com Mirian Alves, Conceição Evaristo e Cristiane Sobral no processo de luta por transformações sociais, principalmente no que tange a questões de raça, de gênero e de classe.
PET Letras: Estamos vivendo um momento sócio-político-histórico de manifestos antirracistas diante de um cenário cultural brasileiro que, ainda, discrimina, marginaliza e objetifica pessoas negras. Para você, qual o papel da literatura nessas manifestações?
Mirian: Eu sempre considero que a literatura tem um papel importantíssimo na formação das pessoas, ainda hoje, a formação de estudantes está engessada em um currículo branco, europeu e heterossexual, o que muito sustenta os pilares de uma sociedade racista, machista e classista, dessa forma, é urgente a inserção de outras vozes na literatura para desconstruir, como argumentado pela escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adiche, o mito da história única. Nesse sentido, a escrita de autoria negra vem furando essa bolha, a partir de outras versões da história, com a representação e a ressignificação de corpos negros de forma humana, algo que nos foi negado pela literatura canônica.
PET Letras: Que conselho você daria a quem pretende desenvolver pesquisas na área de Literatura feminina, Literatura negro-feminina, Escritoras negro-brasileiras, entre outros temas parecidos e que se cruzam na área?
Mirian: Meu conselho é amplo, pois acredito que abrange pesquisadores de diferentes áreas. Eu confesso que, enquanto estudante de Letras, só me senti acolhida no curso após a entrada no universo da pesquisa. A partir das minhas experiências, eu aconselho os estudantes a procurar por objetos e temas que se alinhavem com suas afinidades, porque esse será um período de muitas leituras, de muitas buscas, de muito cansaço, e exigirá muito fôlego. Agora um conselho mais específico, sempre que tiverem oportunidades, participem de grupos de estudos e de eventos científicos de suas áreas. Conheçam pessoas, troquem teorias, escutem! Na minha opinião, a troca de saberes ainda é o caminho mais eficaz para uma pesquisa inovadora e consistente.
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