Entrevista com Pesquisador: Confira a entrevista com o professor Dr. Alexandre Nishiwaki Silva na íntegra

Confira agora, na íntegra, a entrevista completa com o professor Dr. Alexandre Nishiwaki Silva, realizada pelo grupo PET-Letras!

PET-LETRAS: Comente um pouco sobre sua área de atuação.

ALEXANDRE: Eu sou pedagogo e sempre trabalhei com Educação, em diferentes níveis. Comecei minha carreira nos anos iniciais do ensino fundamental como professor alfabetizador, depois fui para a Educação Infantil como coordenador da Creche da USP São Carlos e, por fim, como professor universitário.

Durante minha experiência como docente na Educação Básica realizei meus estudos de Mestrado e Doutorado em Educação, sempre buscando articular os conhecimentos adquiridos nas pesquisas com as práticas desenvolvidas nas escolas públicas nas quais trabalhei.

Hoje sou professor na UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) e leciono no curso de Pedagogia.

Como formador de professores/as, minha atuação hoje está vinculada ao Departamento de Teorias e Práticas Pedagógicas (DTPP) no Centro de Educação e Ciências Humanas (CECH). Pesquisador no Núcleo de Investigação e Ação Social e Educativa – NIASE, principalmente sobre as seguintes temáticas: aprendizagem dialógica, relações de gênero e novas masculinidades na educação, didática, metodologia e prática de ensino na educação infantil.

 

PET-LETRAS: Qual de suas pesquisas te deu mais entusiasmo? Por quê?

ALEXANDRE: Eu sempre tive uma relação muito especial com a escola e a educação, mesmo sendo de família de classe popular, de mãe costureira e pai caminhoneiro, o esforço por garantir uma boa formação escolar sempre foi notável em casa. Eu imagino que por isso escolhi a Pedagogia e as pesquisas em Educação com carreira e sou muito feliz neste processo.

Tanto no mestrado quanto no doutorado, minhas pesquisas tiveram a perspectiva freireana como parâmetro e, nos últimos anos, tenho me dedicado às pesquisas sobre a prevenção de violência de gênero nos espaços educativos.

Neste sentido, me considero um “entusiasmado” pela educação e, assim, minhas pesquisas, sempre realizadas com muita gente e dialogicamente, me tornam muito feliz.

PET-LETRAS: Qual é sua visão sobre o ensino de literatura no ensino fundamental I? Você acha que é possível? Por quê?

ALEXANDRE: A Literatura é uma expressão fundamental da cultura humana e deve, portanto, fazer parte do cotidiano das escolas de Ensino Fundamental. Mesmo antes, na Educação Infantil, a inclusão da literatura é imprescindível.

Conheço professoras/es da Educação Básica que realizam práticas muito interessantes com a literatura, mas gostaria de destacar as Tertúlias Literárias Dialógicas (TLD).

As TLD são atuações educativas de êxito porque se demonstrou através de amplas pesquisas que contribuem efetivamente na melhoria da aprendizagem e convivência na escola. Tertúlias Literárias Dialógicas funcionam em diferentes culturas e em escolas com características distintas entre si. Trata-se da criação coletiva de significados e conhecimentos com base no diálogo igualitário e na participação de todos os participantes. As TLD baseiam-se na Aprendizagem Dialógica, e se desenvolvem com produções clássicas da humanidade, sendo assim, é possível realizar diversas tertúlias dialógicas, como por exemplo: literária, de artes e musical.

As Tertúlias Dialógicas possibilitam que pessoas de idades, gêneros e culturas diferentes debatam temas diversos acerca dos clássicos universais e de conhecimentos científicos produzidos pela humanidade ao longo do tempo.

PET-LETRAS: De seus trabalhos desenvolvidos algum está relacionado diretamente ou indiretamente com literatura ou letramento? Qual?

ALEXANDRE: Como disse, comecei minha carreira docente como professor de turma de alfabetização nas escolas municipais aqui de São Carlos. Nesta oportunidade pude aprofundar os conhecimentos sobre a alfabetização que obtive na minha formação inicial e a Literatura era parte integrante de minha prática pedagógica.

Destaco, nestas primeiras experiências, duas ações sistematizadas: a leitura diária de um texto para as crianças no início da aula e a realização de TLD semanalmente.

Além deste exemplo, que está vinculado diretamente à prática nos anos iniciais, quando me tornei professor universitário passei a desenvolver diferentes projetos de extensão com as TLD, como o desenvolvido com a Profa. Vanessa (UNIFAL) no presídio municipal, ou, ainda, aqui em São Carlos, nas TLDs desenvolvidas em escolas de diferente níveis e em diversos grupos sociais.

PET-LETRAS: Comente um pouco de como o professor lida com as relações de gênero na escola?

ALEXANDRE: Esta pergunta é bastante complexa e demandaria algumas boas horas de conversa e discussão, sobretudo neste momento de negacionismo que atravessamos e as falácias relacionadas ao discurso conservador como a “ideologia de gênero”.

Discutir a prática pedagógica e as relações de gênero devem ser colocadas em termos históricos e teóricos. Inicialmente apontamos que é preciso contextualizar a todo momento a sociedade e as relações que se estabelecem diante da organização social que está posta.

Se percorremos brevemente a história do magistério, apresentando os fatores que levam à feminização da docência, as condições sociais, políticas e culturais que no desenvolvimento histórico vão dando o caráter feminino da prática educativa. Um dos pontos centrais desta contextualização se revela na desvalorização dos professores e das professoras por ser entendida como uma profissão feminina, reproduzindo a opressão social no interior da escola.

É preciso compreender que as relações de gênero são construídas socialmente e, por isso, sua discussão também deve ser coletiva. É preciso refletir nas escolas sobre as relações opressoras e sexistas vivenciadas na sociedade para que as crianças possam ter instrumentos de proteção, inclusive, para a violência. Como alternativa sugerimos as possibilidades dialógicas que nos permitem estabelecer outros modelos pautados na solidariedade e em posições igualitárias, tanto entre homens e mulheres, quanto na sociedade

Disso decorre a necessidade reconstruir a socialização dos meninos e das meninas na escola e fora dela tendo em vista a transformação das relações de opressão de gênero e a plena vivência da solidariedade.

Nesta direção, construímos alternativas pedagógicas pautadas na Aprendizagem Dialógica, centrando a possibilidade da transformação no diálogo enquanto guia para a reflexão das relações intersubjetivas.

Trabalhamos coletivamente para práticas pedagógicas empenhadas na luta pelo fim da opressão, antes de dar respostas queremos questionamentos, queremos buscar por intermédio do diálogo franco e honesto alternativas transformadoras que superem as relações de opressão que reproduzimos entre os meninos e as meninas em nossas escolas.

PET-LETRAS: Como a Aprendizagem Dialógica pode contribuir para o combate da violência de gênero?

ALEXANDRE: A Aprendizagem Dialógica é teoria formulada a partir das contribuições dos/as mais importantes intelectuais, como Habermas e Freire, e tem desenvolvido pesquisas amplamente discutidas em âmbito internacional. Atualmente, não se pode esperar que as propostas educacionais ignorem a produção científica da comunidade internacional em plena Sociedade da Informação e a Aprendizagem Dialógica se coloca neste contexto.

Dito isto, o Modelo Dialógico de Prevenção e Resolução de Conflitos (MDPRC) é uma Atuação Educativa de Êxito que, pautada em evidências científicas, promove a superação da violência de gênero nas escolas especificamente e na sociedade com um todo.

O MDPRC baseia-se no diálogo e no consenso entre as partes envolvidas, em particular os/as alunos/as, no que concerne às regras de convivência. Nesse modelo, a resolução do conflito se dá por meio de um consenso entre todas as partes envolvidas com normas que são elaboradas de forma colaborativa por toda a comunidade.

Este modelo envolve toda a comunidade em um diálogo para descobrir as causas e origens dos conflitos e, então, solucioná-los, antes de aparecerem. Portanto, essa abordagem concentra-se na prevenção dos conflitos, mediante a criação de um clima de colaboração, no qual as pessoas participam tanto da criação das normas de funcionamento da escola quanto da forma de resolver os conflitos, criando assim um maior entendimento e sentido para todas as pessoas envolvidas.

Assim, é preciso que as escolas sejam espaço seguros para todos os meninos e meninas, espaço em que possam aprender, crescer e se relacionar em liberdade e igualdade. O modelo dialógico de prevenção e resolução de conflitos permite a melhora da convivência tanto dentro da escola quanto no conjunto da comunidade educativa.

PET-LETRAS: Que conselhos você daria a quem pretende se envolver com essa carreira ou tema de pesquisa?

ALEXANDRE: É tão difícil dar conselhos, muitas vezes o que foi importante na minha formação e na minha carreira será muito diferente na formação de outras pessoas. Como freireano, não posso ignorar que a docência exige amorosidade. Não um amor piegas e puritano, mas um amor revolucionário, um amor que nos mobiliza a transformar o mundo, a construir relações igualitárias, a se comprometer com a máxima aprendizagem de todos/as.

Outro elemento, também freireano, que gostaria de destacar é a importância da compreensão da docência enquanto espaço de luta e a educação como eminentemente política. É fundamental, enquanto professores e professoras, que tenhamos clareza de que lado estamos, contra quem lutamos e a favor de quem nos enfileiramos, sobretudo em tempos tão obscurantistas como os que vivemos.

Por fim, a docência exige de nós rigor científico. Não podemos ser professores e professoras se não buscamos o que tem de mais elaborado no conhecimento, seja pedagógico, seja do conhecimento específico que lecionamos Não podemos manter em nossas práticas ações que não promovem a aprendizagem dos/as estudantes. É preciso que, por compromisso político, compreender que educação é uma ciência que, assim como todas as outras, é aperfeiçoada por meio de pesquisas, debates internacionais e evidências.