O Cus de Judas

 

 

 

O CUS DE JUDAS

Por: António Lobo Antunes

 

António Lobo Antunes nasceu na cidade de Lisboa, em Portugal, no ano de 1942. Formou-se em medicina e se especializou em psiquiatria. Entre 1970 e 1973, serviu como médico no Exército português nos últimos anos da guerra que ocorreu em Angola. Lobo Antunes recebeu diversos prêmios literários, frutos de um trabalho com uma vasta literatura, mundialmente conhecida. Em 1999, recebeu o Grande Prêmio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores. Já em 2007, foi agraciado com o Prêmio Camões de literatura e, em 2008, com o Juan Rulfo.

Antunes escreveu a obra Os cus de Judas, que foi publicada em 1979. O romance chegou às mãos dos leitores em um contexto pós-colonial, quatro anos após a Revolução dos Cravos, relatando as experiências vividas pelo autor durante a Guerra Colonial que aconteceu na Angola (entre 1961-1974). Nesse viés, em abril de 1974, a sociedade portuguesa buscava apagar todas as memórias traumáticas que restaram da guerra e do Estado Novo. Portanto, a obra de Antunes surge como uma possibilidade de interpretação das dinâmicas social e política presentes na construção de um novo país, posterior à Guerra colonial. 

O livro em questão tem a história narrada pela personagem principal, um médico português recém-chegado da guerra de independência de Angola, que expõe os dias em que viveu e atuou cuidando de guerrilheiros no epicentro do conflito armado. Durante um encontro casual com uma mulher, o médico explica, em meio a um relato subjetivo e sem linearidade, o que dá nome à narrativa: Os cus de Judas. O título decorre do fato de a guerra ter acontecido em um lugar inóspito, para além do fim do mundo e caracterizado por sentimentos de medo e tristeza. As marcas desse conflito assombram a personagem que, com riqueza de detalhes, conta o que se passa em sua mente perturbada pelo horror. 

No que concerne à linguagem da obra, é possível observar fortemente características de um movimento literário que se concebe enquanto pós-modernista. Diz-se isso levando em consideração o desconstrucionismo a que se encontra sujeita, o qual se manifesta, conforme cita Martins (2013), em diversos âmbitos: literário, narrativo, político, histórico, social e familiar. Essa “desconstrução” é o que causa no leitor, já em um primeiro momento, a sensação de estranhamento em relação ao texto literário de Lobo Antunes.

Ora, desde o primeiro contato com a obra, nos encontramos desconcertados por uma narrativa que, por sua vez, assume elementos que seriam essencialmente poéticos: a escolha do vocabulário, o caráter fragmentado e a construção e acúmulo de imagens. Existe uma quebra em relação à expectativa do leitor, que esperaria encontrar uma construção linear e de fácil compreensão, mas se depara com fragmentos desconexos que remetem à memória do narrador, nos jogando dentro do que Martins (2013) classificou como uma autoficção. É interessante pontuar, nesse sentido, uma relação de familiaridade que depreende-se com Memórias Sentimentais de João Miramar, também por essa fragmentação da obra em relação à memória do autor (apesar de se tratar, aqui, apenas de uma especulação). 

 

Além disso, é perceptível a existência de um narrador-protagonista, situado enquanto colonizador português, e que ironiza, ao mesmo tempo, a guerra e o regime ditatorial a qual estava submetido. Essa característica também se justifica enquanto uma desconstrução no plano das “ideias” (tanto a nível social, político e histórico) da obra por meio das sátiras.

 

Ao que tange o período literário no qual a obra de Antunes está inserida, do pós-modernismo, pode-se dizer que o autor buscava retratar seu país durante o final do século XX. Sob este viés, estava rendido a ideia de destacar as partes mais obscuras do sentimento humano, bem como, a dor, a sensação de culpa, a raiva etc. Levando em conta que Lobo Antunes desenvolve sua ficção a partir das marcas deixadas pelo ano de 1974, destacando, por meio de sua narrativa, as inquietações que esse histórico episódio deixou na vida e nos aspectos sentimentalistas do povo português.

Após a chegada dos portugueses […] o mar passa a ser, não só a vida da invasão européia portadora da descaracterização cultural, mas também, a via da partida, da ruína e da morte causadas pela captura e venda dos escravos, pela imigração forçada e pelo drama dos contratados. Mar, espaço da morte, de onde se não volta mais (ANTUNES, 1979, p. 11-16).

No trecho em destaque, Lobo Antunes revela um discurso que deixa pistas acerca da desconstrução da viagem no contexto colonial português, expondo as marcas atribuídas no contato entre o colonizador e o colonizado. Paralelamente, o autor descreve a imagem social, política e econômica de Portugal sob uma visão crítica. De maneira a consolidar, por meio da relação entre a sociedade portuguesa contemporânea com a antiga, uma abordagem inter-relacionada e irreverente. 

Ademais, utilizando do instrumento literário, Antunes remete elementos ligados à tradição histórica portuguesa à ficção, refletindo numa forma de representação e compreensão da vida em sociedade. Isso, a partir da conjugação de elementos do imaginário humano junto ao contexto vivenciado pelo escritor.  

– Barbara

Referências Bibliográficas

ANTUNES, A. L. Os cus de judas. Ed. 1. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2014.

MARTINS, V. H. F. O desconstrucionismo em Os cus de Judas. Revista Decifrar, Manaus, v. 02, n. 01, p. 90-97, dez, 2013. 

MORIN, D. Sob o emaranhado fictício: António Lobo Antunes e a nova perspectiva para a Literatura Portuguesa atual. Disponível em:  http://www2.assis.unesp.br/cilbelc/jornal/maio09/content13.html. Acesso em: 26 ago. 2022.