Linguagem neutra x Linguagem inclusiva
LINGUAGEM NEUTRA X LINGUAEM INCLUSIVA
A discussão sobre linguagem neutra vem se mostrando um terreno polêmico. Muito mais profundo e complexo do que vemos no twitter, o tema é alvo de debates e discordâncias até entre especialistas da área; enquanto uma parte defende seu uso e sua normatização, a outra parte prefere adotar o uso da chamada “Linguagem inclusiva”. As abordagens têm algumas diferenças entre si, mas buscam a mesma coisa: inclusão.
A princípio, antes de tratar sobre linguagem neutra e linguagem inclusiva, é necessário discutir e compreender o porquê a linguagem cotidiana não pode ser considerada inclusiva. O português, assim como muitas outras línguas espalhadas pelo mundo, usa a forma masculina para generalizar grupos de várias identidades, ou seja, é considerado como o gênero não marcado. Guilherme Ribeiro Colaço Mader, em seu artigo “Masculino genérico e sexismo gramatical”, discorre e problematiza essa concepção de masculino como gênero “não marcado”, resgatando documentos antigos que definiam masculino como “o gênero mais nobre”, que deveria sobressair-se em qualquer contexto. É inegável que isso não se trata apenas de uma questão linguística, sendo extremamente difícil não correlacionar essa definição com o machismo prevalecente desde os primórdios das sociedades. Ainda sobre essa questão, a professora Raquel Freitag cita que: “Uma língua não existe senão em uma sociedade. Se a sociedade é sexista, como o é a nossa, a língua apenas reflete esse sexismo”.
Além disso, há pessoas que não se identificam com o sistema binário de gênero, e que lutam para ter sua identidade validada, tanto na sociedade como um todo, quanto na língua. É nesse contexto que surge a possibilidade da linguagem neutra, que tenta abarcar todos os gêneros, inclusive os não-binários.
A linguagem neutra não utiliza marcação de gênero em seu discurso, objetivando a inclusão de todas as pessoas. Ela caracteriza-se pela flexão de adjetivos, pronomes e outros, alterando sua estrutura e substituindo as desinências que marcam o gênero por desinências neutras.
Existem quatro sistemas de pronomes pessoais em linguagem neutra: Sistema Elu, Sistema Ile, Sistema Ilu e Sistema El. Os pronomes possessivos assumem as formas: minhe, sue/su, tue/tu. No caso dos artigos definidos, são substituídos por: ê/es ou le/les; os indefinidos por ume/umes/. Nos substantivos terminados em o/a, o “e” entra como substituto, nos terminados em go/ga, o “gue” entra como substituto, nos terminados em co/ca, o “que” entra como substituto e assim por diante. A frase “Ela é uma ótima amiga” ficaria, mais ou menos, como: “Elu é ume ótime amigue”.
Acontece que a linguagem neutra não é gramaticalizada, ou seja, as formas que ela adota estão em desacordo com as normas gramaticais, o que pode acarretar confusões, especialmente na língua formal escrita. Ademais, não existe ainda um consenso sobre o “e” como marcação de neutralidade. Por isso, seu uso não é unanimidade e muitas pessoas optam pela abordagem da linguagem inclusiva.
A linguagem inclusive propõe, em acordo com as normas gramaticais da língua, a reestruturação de frases a fim de amenizar as marcações de gênero desnecessárias. Uma das estratégias propostas é abandonar o uso de “homem” para generalizar a raça humana, substituindo a palavra por “humanidade”, “ser humano”, “sociedade” etc. O uso de pronomes pessoais masculinos para generalizar um grupo também se mostra desnecessário, podendo ser substituído por “quem” ou “alguém” ou outras palavras que ajudem a manter o sentido da frase sem marcar gênero. Usar as flexões masculina e feminina juntas, em certas ocasiões, também parece é uma estratégia para inclusão, como em “alunos e alunas”, “brasileiros e brasileiras”, etc.
Outro uso habitual de marcação de gênero que pode ser substituído é o referente a instituições. Em jornais e veículos de notícias, é comum lermos “Os deputados devem votar a lei hoje”, que pode ser reestruturado para “A Câmara Federal deve votar a lei hoje”.
Existem muitas outras estratégias que visam a redução da marcação de gênero, como a supressão de artigos antes de nomes próprios; o uso de “pessoas” para definir coletivos, como na substituição de “interessados” (que contém uma marcação de gênero) para “pessoas interessadas”, entre outras substituições possíveis.
Apesar das notáveis diferenças, tanto a linguagem neutra quanto a linguagem inclusiva objetivam criar uma comunicação mais confortável e acolhedora para todas as pessoas, independente do gênero. Enquanto a linguagem neutra pode ser utilizada em contextos mais informais e nas redes sociais, devido o seu desacordo com as normas gramaticais; a linguagem inclusiva pode ser uma estratégia para a redação de documentos, para uma comunicação mais formalizada e, também, por pessoas que não se sentem abarcadas pelo uso do “e” como neutralizador.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
RABELO, S. “Linguagem neutra não existe”. Disponível em: <https://blogfca.pucminas.br/colab/linguagem-neutra>. Acesso em: 14 jun. 2024.
MADER, Guilherme Ribeiro Colaço. MASCULINO GENÉRICO E SEXISMO GRAMATICAL. Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/158447/336814.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 14 jun. 2024.
REFLEXÃO, U. R. MANUAL PRÁTICO DE LINGUAGEM INCLUSIVA. Disponível em: <https://institutoressurgir.org/wp-content/uploads/2018/07/Manual-linguagem-inclusiva.pdf>. Acesso em: 14 jun. 2024.
CAÊ, Gioni. MANUAL PARA O USO DA LINGUAGEM NEUTRA EM LÍNGUA PORTUGUESA Disponível em: <https://portal.unila.edu.br/informes/manual-de-linguagem-neutra/Manualdelinguagemneutraport.pdf>. Acesso em: 14 jun. 2024b.
PETIANOS AUTORES
Luanna Regina Alvarez Rodriguez Pereira 2023.1.48.007
Gabriela Jardim 2022.1.45.007